Mariana Camacho (Funchal, 1993), música, cantora e criadora, move-se entre géneros, guiada pela urgência de explorar todas as formas possíveis de fazer música, desde que lhe tragam diversão e qualquer coisa de novo para descobrir.
Desde 2019 apresenta-se a solo no circuito nacional independente, onde torce e funde influências musicais, impressões do mundo e o que mais houver, sem regras. Tem aprofundado a pesquisa e orienta oficinas em torno das cantigas de trabalho tradicionais, como ponto de partida para redescobrir potencialidades da voz enquanto elemento vivo, que habita lugares, reflete paisagens, que tem peso e corpo.
Paralelamente, dirige o CoLeGaS - Coro LGBTI+ da ILGA Portugal, integra o trio de improvisação vocal Guarda-Rios, colabora frequentemente com artistas nacionais enquanto cantora e multi-instrumentista e integra o elenco de PULSAR - Companhia do Corpo.
Nos últimos anos tem vindo a ganhar espaço na composição musical e interpretação (não só como música mas também como atriz que se lança sem saber aonde vai parar) em peças de teatro e dança.
Durante a sua residência, Mariana recolha e reinterpreta cantigas de trabalho açorianas, resgatando a sabedoria e o canto das gerações passadas. A artista também pretende compor temas originais inspirados pela vivência no território, fundindo paisagem, corpo e voz num só gesto artístico.
A partir da pergunta “Como se canta enquanto se trabalha?”, a artista pretende investigar a ligação entre meio, movimento e som, explorando a memória coletiva inscrita nas canções populares e o modo como estas continuam a ecoar na vida contemporânea.
"Interessa-me investigar a relação entre a paisagem (meio), o corpo (movimento) e a voz (canto) no ato simultâneo de trabalhar e cantar. Como é que o meio e a tarefa influenciam o movimento do corpo e como é que este impacta a forma de cantar? Que melodias surgem, que ritmos? Que alcance tem a voz, de onde vem, para onde vai? Que palavras se lançam na melodia? Que pesos físicos e simbólicos estão implicados na vida de quem trabalha e canta e de que forma se expressam na canção? "
Uma viagem sensível entre o individual e o coletivo, entre o passado e o presente — onde narrar é resistir e cantar é fazê-lo com o corpo todo.
Por que é importante criar pontes entre os arquipélagos — e deixarmo-nos embalar pelos cantos insulares
Os arquipélagos, muitas vezes vistos como geografias isoladas, são na verdade constelações vivas de memória, cultura e resistência. Cada ilha guarda uma identidade própria, mas todas compartilham uma linguagem comum: a da insularidade — feita de silêncio, vento, marés e, sobretudo, de vozes. Os cantos insulares, nascidos do trabalho, da saudade, da celebração ou da dor, atravessam o tempo e aproximam comunidades que, embora distantes no mapa, reconhecem-se mutuamente no som que ecoa das suas margens.
Criar pontes entre arquipélagos é afirmar que há muito mais a unir do que a separar. É permitir que as histórias cantadas em vozes açorianas dialoguem com as melodias da Madeira ou de outras ilhas espalhadas pelo mundo. É escutar o que há de ancestral e de novo nessas vozes e compreender que a insularidade não é isolamento — é profundidade.
Quando nos deixamos embalar pelos cantos insulares, abrimos espaço para uma escuta sensível do território e das suas gentes. É uma forma de acesso ao íntimo da comunidade, ao ritmo do seu trabalho, à sua maneira de resistir e de celebrar. O canto insular é, muitas vezes, a primeira forma de contar uma história, de guardar uma memória, de marcar um tempo. É corpo, é chão, é pertença.
Num mundo cada vez mais acelerado e fragmentado, escutar e fazer circular estes cantos — e os artistas que os recolhem, reinventam e partilham — é um gesto de cuidado e de conexão. Fortalecer os laços entre arquipélagos é também fortalecer um imaginário coletivo insular, que ultrapassa fronteiras e propõe uma visão do mundo onde a cultura nasce da escuta, da relação e do ritmo natural da vida.
Assim, ao criar pontes entre ilhas, criamos também caminhos para o futuro — onde a arte, a voz e a memória continuam a navegar juntas.